Resolução de problemas e segurança na aviação - O perigo de "consertar e esquecer" - Parte 2
- Comandante Bassani
- 18 de abr.
- 3 min de leitura
Por Comandante Bassani - ATPL/B-727/DC-10/B-767 - Ex-Inspetor de Acidentes Aéreos SIA PT. Email - voopessoal@gmail.com - Abr/2025 - https://www.personalflyer.com.br/

Na aviação, a segurança é um pilar construído sobre sistemas robustos, treinamento rigoroso e aprendizado contínuo. Contudo, um estudo da Universidade de Harvard de 2001 sobre equipes de enfermagem hospitalar revelou um fenômeno que também se aplica à aviação: a prevalência da resolução de problemas de primeira ordem ("consertar e esquecer") em detrimento da resolução de segunda ordem ("consertar e relatar"). Esse padrão, longe de ser apenas uma questão operacional, pode comprometer a capacidade de uma organização de aprender com seus próprios desafios e prevenir riscos futuros.
O Caso do Cessna Citation e Embraer 170
Um exemplo concreto desse problema ocorreu em 2022, quando um incidente grave envolvendo um Cessna Citation 525 e um Embraer 170 resultou em perda de separação devido a indicações errôneas de altitude no sistema pitot-estático defeituoso no Cessna. Segundo o relatório do BEA (Bureau d’Enquêtes et d’Analyses), os pilotos do Citation enfrentavam pressão significativa para manter as operações, o que os levava a ignorar recomendações de relatar falhas no diário de bordo técnico. O diretor de manutenção da empresa também era desencorajado a prolongar os períodos de manutenção. Esse cenário ilustra como a falta de tempo, aliada a uma cultura de soluções rápidas, pode minar a gestão de riscos e culminar em eventos perigosos.
Fatores que alimentam o problema
Diversos elementos contribuem para a adoção da resolução de primeira ordem, conforme destacado no estudo de Harvard e aplicável à aviação:
Falta de tempo - Profissionais da linha de frente, como pilotos e mecânicos, frequentemente operam sob prazos apertados, priorizando a continuidade das operações sobre a análise detalhada e o relato de problemas. Job descriptions focadas exclusivamente em metas de produção deixam pouco espaço para responsabilidades de segurança.
Baixa segurança psicológica - Em ambientes onde há medo de represálias ou sanções, como relatado na operação francesa do Cessna, os profissionais hesitam em reportar falhas, perpetuando riscos sistêmicos.
Falta de suporte e autonomia desbalanceada - Conceder autonomia sem recursos adequados — como tempo, treinamento ou ferramentas — resulta em soluções improvisadas em vez de análises estruturadas.
Recompensas imediatas - A satisfação de resolver um problema rapidamente pode ofuscar os benefícios de longo prazo de um relato que leva a melhorias sistêmicas, um fenômeno conhecido como temporal discounting.
Mitigando os riscos
Superar esses desafios exige uma abordagem estratégica que integre a segurança como prioridade desde o início, em vez de tratá-la como um acréscimo às operações. Aqui estão algumas soluções práticas:
Reformular papéis e recursos - A segurança deve ser parte explícita das descrições de cargo, com tempo alocado para relatórios e investigações. Perguntas como "Quanto tempo leva para escrever um relatório de segurança?" ou "Quantos relatórios esperamos por mês?" devem guiar o planejamento operacional, como sugere o estudo de Harvard.
Fomentar segurança psicológica - Líderes devem criar um ambiente onde erros possam ser discutidos abertamente. Amy Edmondson, autora de The Fearless Organization, destaca três passos:
Preparar o terreno aceitando a falibilidade humana, convidar participação com perguntas abertas e responder de forma construtiva às contribuições.
Equilibrar autonomia e supervisão - Nancy Leveson, do MIT, argumenta que sistemas complexos como a aviação requerem camadas de controle para evitar decisões isoladas com impactos imprevistos. Autonomia deve vir acompanhada de canais de comunicação eficazes entre equipes.
Incentivar relatos com recompensas - Oferecer incentivos imediatos, como reconhecimento ou compensação por relatórios de segurança, pode contrabalançar a tendência de buscar soluções rápidas.
Um chamado à mudança cultural
A aviação não pode se dar ao luxo de normalizar o "consertar e esquecer". Como James Reason observa em Managing the Risks of Organizational Accidents, soluções locais podem ocultar problemas sistêmicos de gestores responsáveis por melhorias globais. O incidente do Cessna Citation é um alerta: sem tempo, suporte e uma cultura que valorize o relato, os riscos se acumulam silenciosamente.
Investir em resolução de segunda ordem não é apenas uma questão de conformidade, mas de resiliência organizacional. Ao facilitar o "fazer a coisa certa" — com recursos, treinamento e incentivos —, as empresas aéreas podem transformar desafios operacionais em oportunidades de aprendizado, garantindo que a segurança permaneça inegociável.
Bons voos!

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