A evolução do treinamento em gerenciamento de recursos de tripulação (CRM) na aviação comercial
Por Comandante Bassani - ATPL/B727/DC10/B767 - Ex-Inspetor de Acidentes Aéreos SIA PT.
voopessoal@gmail.com - Jan/2025
O treinamento em Gestão de Recursos de Tripulação (CRM) na aviação comercial tem passado por significativas transformações ao longo dos anos, desde sua origem como Cockpit Resource Management até o conceito abrangente que conhecemos hoje. Este artigo explora essa evolução, validando o impacto do CRM, suas limitações e a abordagem de gerenciamento de erros que visa aumentar a aceitação dos conceitos de CRM.
Origem do CRM
As raízes do treinamento em CRM nos Estados Unidos remontam a um workshop, Resource Management on the Flightdeck, patrocinado pela National Aeronautics and Space Administration (NASA) em 1979 (Cooper, White, & Lauber, 1980). Este evento foi resultado de pesquisas da NASA sobre as causas dos acidentes de transporte aéreo, que identificaram que a maioria dos acidentes era devido a falhas de comunicação interpessoal, tomada de decisão e liderança.
Primeira geração de CRM
O primeiro programa abrangente de CRM nos EUA foi iniciado pela United Airlines em 1981. Desenvolvido com a ajuda de consultores especializados em programas de treinamento corporativo, o treinamento era intensivo e incluía diagnósticos do estilo gerencial dos participantes. Esses programas enfatizavam a mudança de estilos individuais e a correção de comportamentos inadequados, como a falta de assertividade dos subordinados e o comportamento autoritário dos comandantes. Os cursos de primeira geração eram de natureza psicológica, focando fortemente em testes psicológicos e conceitos gerais como liderança, sem fornecer definições claras de comportamento adequado no cockpit.
Segunda geração de CRM
Em 1986, a NASA realizou outro workshop para a indústria (Orlady & Foushee, 1987). Naquela época, um número crescente de companhias aéreas nos EUA e ao redor do mundo havia iniciado o treinamento em CRM e muitas relataram seus programas. Uma das conclusões dos grupos de trabalho na reunião foi que o treinamento explícito de CRM eventualmente desapareceria como um componente separado de treinamento quando se tornasse parte integrante do treinamento e das operações de voo.
Uma nova geração de cursos de CRM começou a emergir, mudando o foco do treinamento para a dinâmica de grupo no cockpit e alterando o nome de Cockpit Resource Management para Crew Resource Management. Os novos cursos, como o desenvolvido pela Delta Airlines (Byrnes & Black, 1993), abordavam conceitos específicos de aviação relacionados às operações de voo e se tornavam mais modulares e orientados para equipes. O treinamento básico incluía seminários intensivos com conceitos como construção de equipe, estratégias de briefing, consciência situacional e gerenciamento de estresse. Módulos específicos abordavam estratégias de tomada de decisão e quebra da cadeia de erros que pudessem resultar em catástrofes.
Terceira geração de CRM - ampliando o escopo
No início dos anos 1990, o treinamento em CRM começou a seguir múltiplos caminhos. O treinamento começou a refletir as características do sistema de aviação em que as tripulações devem operar, incluindo múltiplos fatores de entrada, como a cultura organizacional que determina a segurança. Ao mesmo tempo, esforços foram feitos para integrar o CRM com o treinamento técnico e focar em habilidades e comportamentos específicos que os pilotos poderiam usar para operar de forma mais eficaz. Várias companhias aéreas começaram a incluir módulos que abordavam questões de CRM no uso da automação no cockpit. Programas também começaram a abordar o reconhecimento e a avaliação de questões de fatores humanos. O CRM foi estendido a outros grupos dentro das companhias aéreas, como comissários de bordo, despachantes e pessoal de manutenção.
Quarta Geração de CRM – Integração e proceduralização
A Federal Aviation Administration (FAA) introduziu uma mudança significativa no treinamento e qualificação das tripulações de voo em 1990 com a iniciação do seu Advanced Qualification Program (AQP: Birnbach & Longridge, 1993). O AQP era um programa voluntário que permite às companhias aéreas desenvolver treinamentos inovadores que atendessem às necessidades específicas da organização. Em troca dessa maior flexibilidade no treinamento, as companhias seriam obrigadas a fornecer tanto CRM quanto LOFT para todas as tripulações de voo e integrar os conceitos de CRM ao treinamento técnico.
Como parte da integração do CRM, várias companhias aéreas começaram a proceduralizar os conceitos envolvidos, adicionando comportamentos específicos às suas listas de verificação (checklists). O objetivo é garantir que decisões e ações fossem informadas por considerações fundamentais e que os princípios básicos do CRM fossem observados, especialmente em situações não padronizadas.
Quinta geração de CRM – buscando uma justificativa universal
Observando as limitações do CRM nos Estados Unidos e as reações diversas ao treinamento em outras culturas, surge a necessidade de uma justificativa universal para o CRM. Retornando ao conceito original de CRM como uma forma de evitar erros, a justificativa principal deve ser a gestão de erros (Helmreich & Merritt, in press; Merritt & Helmreich, 1997). Influenciados pelo trabalho do Professor James Reason (1990, 1997), a quinta geração de CRM vê o erro humano como onipresente e inevitável, mas também como uma fonte valiosa de informação.
Sob a quinta geração de CRM, o erro é abordado por meio de três linhas de defesa: evitar o erro, capturar erros iminentes antes que sejam cometidos e mitigar as consequências dos erros que ocorrem e não são capturados. Para que a abordagem de gestão de erros fosse aceita, as organizações tiveram de adotar uma abordagem não punitiva aos erros, comunicando formalmente que erros ocorrerão. A FAA anunciou uma nova iniciativa, Aviation Safety Action Programs, para encorajar a notificação de incidentes dentro das organizações e lidar com questões de segurança proativamente (FAA, 1997). Por exemplo, a American Airlines participa do programa com a cooperação do sindicato dos pilotos e da FAA, permitindo aos pilotos reportar preocupações de segurança e erros de forma confidencial. Assim nasce a "Cultura Justa" ou "Just Culture".
Considerações para o CRM da quinta geração
O treinamento da quinta geração visava a normalização dos erros e o desenvolvimento de estratégias para gerenciá-los (Helmreich, 1997). Isso incluiu a instrução formal sobre as limitações do desempenho humano e os efeitos prejudiciais de estressores como fadiga, sobrecarga de trabalho e emergências. Exemplos de acidentes e incidentes onde o erro humano desempenhou um papel causal são usados para ilustrar esses pontos. A análise do desempenho humano é comum a todas as gerações de treinamento em CRM, mas a quinta geração também destaca exemplos positivos de como os erros são detectados e gerenciados.
Em teoria, a abordagem de gestão de erros deve fornecer uma justificativa mais convincente para o CRM e o treinamento em fatores humanos, mas o impacto ainda precisa ser avaliado empiricamente. A United Airlines reformulou seus componentes básicos e recorrentes de CRM como gestão de erros, fornecendo novos cursos básicos para todos os pilotos. Dados sobre os resultados deste programa ajudaram a determinar a eficácia da abordagem da quinta geração.
Relação da gestão de erros com gerações anteriores
A quinta geração de CRM é compatível com as gerações anteriores. O treinamento especial no uso da automação e no papel de liderança dos comandantes, destacado na terceira geração, pode ser integrado sob este modelo. A abordagem de gestão de erros deve fortalecer o AQP ao demonstrar a importância do CRM em todos os aspectos do treinamento de voo. A integração do CRM ao treinamento técnico e a proceduralização do CRM também se encaixam sob este guarda-chuva e são mais bem entendidas e aceitas quando os objetivos são claramente definidos e apoiados pela organização.
CRM no contexto
O CRM não é e nunca será o mecanismo para eliminar erros e garantir a segurança em uma atividade de alto risco como a aviação. O erro é um resultado inevitável das limitações naturais do desempenho humano e da função de sistemas complexos. O CRM é uma das ferramentas que as organizações podem usar para gerenciar erros. A segurança das operações é influenciada por culturas profissionais, organizacionais e nacionais, e a segurança requer o foco de cada uma dessas culturas em uma cultura organizacional de segurança que lide com erros de maneira não punitiva e proativa (Helmreich & Merritt, in press).
Conclusão
O termo genérico atual "gestão de recursos de tripulação" (CRM) foi amplamente adotado, mas também é conhecido como gestão de recursos do cockpit, gestão de recursos do flightdeck e gestão de comando, liderança e recursos. Quando as técnicas de CRM são aplicadas a outras áreas, elas às vezes recebem rótulos únicos, como gestão de recursos de manutenção, gestão de recursos de ponte ou gestão de recursos marítimos.
O treinamento em CRM abrange uma ampla gama de conhecimentos, habilidades e atitudes, incluindo comunicação, consciência situacional, resolução de problemas, tomada de decisão e trabalho em equipe, juntamente com todas as subdisciplinas que cada uma dessas áreas implica. O CRM pode ser definido como um sistema que usa recursos para promover a segurança no local de trabalho.
O CRM está preocupado com as habilidades cognitivas e interpessoais necessárias para gerenciar recursos dentro de um sistema organizado, em vez do conhecimento técnico e habilidades necessárias para operar equipamentos. Nesse contexto, as habilidades cognitivas são definidas como os processos mentais usados para ganhar e manter a consciência situacional, resolver problemas e tomar decisões. As habilidades interpessoais são consideradas comunicações e uma variedade de atividades comportamentais associadas ao trabalho em equipe. Em adição temos o NOTECHS (non-technical skills) um sistema usado para avaliar as habilidades não técnicas (sociais e cognitivas) dos membros da tripulação na indústria da aviação usado para avaliar habilidades não técnicas.
Organizações de aviação, incluindo grandes companhias aéreas e aviação militar, introduziram o treinamento em CRM para suas tripulações. O treinamento em CRM agora é uma exigência mandatada para pilotos comerciais que trabalham sob a maioria dos órgãos reguladores, incluindo a FAA (EUA) e a EASA (Europa) e ICAO.
Referências
Cooper, G. E., White, M. D., & Lauber, J. K. (1980). Resource Management on the Flightdeck. NASA.
Blake, R. R., & Mouton, J. S. (1964). The Managerial Grid. Gulf Publishing Co.
Prince, C., & Salas, E. (1993). Training and Research for Team Training. American Psychological Association.
Helmreich, R. L., & Foushee, H. C. (1993). Cockpit Resource Management. Academic Press.
Elwin Edwards (1972). Human Factors Training at KLM Royal Dutch Airlines.
**Orlady, H. W., & Foushee, H. C
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